sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Leonardo Boff É preciso mudar o paradigma da civilização ocidental


Tudo começou na Grécia e tudo começa a acabar na Grécia?
A civilização ocidental tem sua origem histórica na Grécia do século VI a. C. Ruíra o mundo do mito e da religião que era o eixo organizador da sociedade. Para pôr ordem àquele momento crítico fez-se, num lapso de pouco mais de 50 anos, uma das maiores criações intelectuais da humanidade. Surgiu a era da razão crítica, que se expressou pela filosofia, pela política, pela democracia, pelo teatro, pela poesia e pela estética. Figuras exponenciais foram Sócrates, Platão, Aristóteles, Péricles, Fídias, Sófocles, Eurípides e Ésquilo.

Esse paradigma se caracteriza pelo predomínio da razão, que deixou para trás a percepção do Todo, o sentido da unidade da realidade que caracterizava os pensadores pré-socráticos, portadores do pensamento originário. Introduzem-se os dualismos: mundo-Deus, homem-natureza, razão-sensibilidade, teoria-prática. A razão criou a metafísica, que na compreensão de Heidegger faz de tudo objeto e se instaura como instância de poder sobre esse objeto. O ser humano deixa de se sentir parte da natureza para se confrontar com ela e submetê-la ao projeto de sua vontade.

Esse paradigma ganhou sua expressão acabada mil anos depois, com os fundadores do mundo moderno, Descartes, Newton, Bacon e outros. Com eles se consagrou a cosmovisão mecanicista e dualista: a natureza de um lado e o ser humano de outro, em cima dela, como seu "mestre e dono" (Descartes). Elaborou-se o ideal do progresso ilimitado, que supõe a dominação da natureza, no pressuposto de que esse progresso poderia caminhar infinitamente na direção do futuro.

Nos últimos decênios, a cobiça de acumular transformou tudo em mercadoria a ser negociada e consumida. Esquecemos que os bens e serviços da natureza são para todos e não podem ser apropriados apenas por alguns.

Depois de quatro séculos de vigência desse modo de ser e de ver, verificamos que a natureza teve que pagar um preço alto para custear esse modelo de desenvolvimento. Agora, tocamos nos limites de suas possibilidades. A civilização técnico-científica chegou a um ponto em que ela pode pôr fim a si mesma, degradar a natureza, eliminar grande parte do sistema da vida e, eventualmente, erradicar a espécie humana. Seria a realização de um armagedon.

Tudo começou há milênios na Grécia. E agora parece terminar na Grécia, uma das primeiras vítimas do horror econômico, cujos banqueiros, para salvar seus ganhos, lançaram toda a sociedade no desespero.

Estamos assistindo à agonia de um paradigma milenar que está, parece, encerrando sua trajetória histórica. Pode demorar ainda dezenas de anos, mas o fim é previsível. Com seus recursos internos não tem condições de se reproduzir.

Temos que encontrar outro tipo de relação com a natureza, outra forma de produzir e de consumir, desenvolvendo um sentido geral de interdependência face à comunidade de vida e de responsabilidade pelo nosso futuro comum. Ao não encetarmos essa conversão, ditaremos para nós mesmos o veredicto de desaparecimento. Ou nos transformamos ou desapareceremos.

Faço minhas as palavras de Celso Furtado, economista e pensador: "Os homens de minha geração demonstraram que está ao alcance do engenho humano conduzir a humanidade ao suicídio. Espero que a nova geração comprove que também está ao alcance do homem abrir caminho de acesso a um mundo em que prevaleçam a compaixão, a felicidade, a beleza e a solidariedade". E a condição de mudarmos de paradigma. http://www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=17506

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